Em entrevista exclusiva ao programa Ponto de Vista, apresentado por João Barbiero, na Rede T de rádios do Paraná, na manhã deste sábado (23), o jurista Márlon Reis, ex-juiz que foi um dos autores da proposta de iniciativa popular da Lei da Ficha Limpa, afirma que o Superior Tribunal Federal (STF) pode reverter decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que indeferiu a candidatura a deputado federal do ex-prefeito de Ponta Grossa, Jocelito Canto, pelo PSDB. A candidatura de Jocelito Canto a deputado federal foi impugnada tomando por base a Lei da Ficha Limpa.
Jocelito Canto se manteve candidato sub júdice e recebeu 74.348 votos (1,21% dos válidos). Quem assumiu sua cadeira na Câmara Federal foi o ex-governador Beto Richa, que obteve 9.480 votos a menos que seu correligionário. Richa, que recebeu 64.868 votos (1,06% dos válidos), foi diplomado em dezembro e assumiu a vaga.
Em maio, Jocelito protocolou novo recurso junto ao STF a fim de reaver o cargo de deputado federal ). No dia 20 de julho, os autos do processo movido por Jocelito tiveram seus atos remetidos pelo TSE ao STF.
Márlon Reis discorda que a manutenção da inelegibilidade de Jocelito Canto tenha sido uma atuação política do Judiciário. “Foi um equívoco, com o devido respeito. A Justiça Eleitoral falhou ao interpretar a lei, mas isso pode ser reparado, porque o debate não terminou ainda, está em grau de recursos. E o Supremo Tribunal Federal (STF) pode, perfeitamente, corrigir os erros e repará-los”, avalia o jurista. Em 2013, a Justiça considerou irregular a prestação de serviço de um policial militar do Estado para a segurança particular do então prefeito de Ponta Grossa, que, segundo ele mesmo, tinha sido cedido pelo, então, presidente da Assembleia Legislativa (ALEP), Aníbal Khury (1924-1999).
Em sua análise, a Lei da Ficha Limpa não foi criada para impedir a participação eleitoral de pessoas por falhas pequenas ou por situações que, apenas aparentemente, possam causar dano. “Qual o prejuízo econômico causado? Nenhum! Qual a reprovabilidade dessa conduta? Mínima! Uma autoridade pública, obviamente, está numa situação de ameaça muito maior que alguém que não está nessa condição”, defende.
“Fui juiz de direito por 20 anos e sei o quanto é frequente que autoridades públicas sejam protegidas por policiais. Inclusive, até no próprio Poder Judiciário. Vejo que houve um excesso, mas essa falha não é da Lei da Ficha Limpa. Essa é uma falha que eu acredito não ser motivada por razões político-partidárias, mas aconteceu, porque o Judiciário pode falhar”, pondera.
Reis afirma que, por ter sido juiz, sabe como um ser humano lida com uma decisão limite que, às vezes, gera dúvidas sobre para qual lado se deve manifestar propensão. “Neste caso, falando como intérprete de uma lei que eu próprio ajudei a desenhar, a escrever, eu quero dizer que eu não vejo fundamento. O que digo no parecer que eu entreguei à defesa do deputado eleito Jocelito é que, na Constituição, estão previstos os bens jurídicos que a Lei de Inelegibilidade deve proteger: a moralidade para o exercício do mandato; a probidade no exercício da função pública e, também, proteger a normalidade das eleições contra o abuso de poder político e econômico. Neste caso concreto, nenhuma dessas situações está presente, justamente porque, embora tenha havido um grau de reprovabilidade no campo cível da improbidade administrativa – nem no campo criminal foi – isso não é suficiente para movimentar a máquina da inelegibilidade, conforme previsto na Lei da Ficha Limpa”, argumenta.
A sustentação do advogado está no parecer juntado ao processo no STF. “Espero que o Supremo acolha esse entendimento e restitua o mandato a Jocelito, porque entendo que lhe é devido esse mandato, pelo seu desempenho eleitoral, que foi brilhante, mas também pelo fato de que ele não está, efetivamente, submetido à chancela negativa da Lei da Ficha Limpa”, pondera.
Reis admite que ao analisar a situação do ponto de vista jurídico, a decisão sobre a inelegibilidade ou não, no caso de Jocelito Canto, não é tão simples, uma vez que houve uma condenação por improbidade. “Alguém pode achar que, se ele está condenado por improbidade, logo está inelegível. Esse é o ponto em que tem que haver uma análise, pois entendo que a condenação por improbidade foi excessiva, não deveria ter acontecido. Mas ela aconteceu e transitou em julgado. Agora, se trata de ver se é o caso de inelegibilidade ou não. Se ele não tivesse sido condenado por esse fato, nem se estaria discutindo. O problema é que houve condenação. O que afirmo no parecer é que, mesmo com a condenação, ele não está inelegível, porque houve condenação por improbidade, mas não houve uma afetação aos bens jurídicos protegidos pelas normas que estabelecem inelegibilidade”, explica.
Ficha Limpa
O advogado e ex-juiz de direito Márlon Reis atua na área cível e eleitoral. Reis é reconhecido como idealizador da expressão “Ficha Limpa” e um dos autores da proposta de iniciativa popular da lei homônima. É doutor em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas, pela Universidad de Zaragoza, Espanha; ex-juiz auxiliar da presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ex-juiz de Direito do Estado do Maranhão – cargo do qual requereu exoneração para exercer a advocacia.
Em 2012, foi o primeiro juiz eleitoral brasileiro a determinar aos candidatos que informassem aos eleitores, antes do dia da votação, os nomes dos seus doadores, iniciativa depois expandida pelo TSE para todas as Zonas Eleitorais do País e que que lhe valeu a conquista do Prêmio UNODC, concedido anualmente pelo Escritório da Organização das Nações Unidas contra a Corrupção e o Crime.
Márlon Reis afirma que a ideia nasceu a partir do crescimento de movimentos da sociedade contrários à eleição de pessoas que não poderiam participar de processos eleitorais. “Em 2012, houve até a eleição de um mandatário no Rio de Janeiro que estava preso. Ele deixou a prisão para tomar posse do cargo, tendo sido retiradas as algemas dele”, relembra. Conforme o jurista, a população se mobilizou contra situações inadmissíveis que iam se avolumando.
“A Constituição exigia o estabelecimento de uma legislação complementar que definisse melhor os contornos da inelegibilidade”, diz. A lei em vigor até então, a lei complementar de 1990 era anterior à modificação da Constituição feita em 1994, que exigia essa mudança. Antes de alterar a lei, foi criado um movimento de combate à corrupção eleitoral; primeiro, membros da sociedade foram chamados para ajudar na elaboração de um projeto de lei e, depois, foram coletadas 1,6 milhão de assinaturas no Brasil inteiro.
A Lei Complementar 135/2010 – Lei da Ficha Limpa – visa aumentar a idoneidade dos candidatos e torna inelegível por oito anos candidato que teve mandato cassado; que renunciou para evitar cassação ou condenado por decisão de órgão colegiado, mesmo que ainda existam recursos. A legislação foi emendada à LC 64/1990 – Lei das Condições de Inelegibilidade. Aprovada pela Câmara e Senado em maio de 2010, foi sancionada pelo presidente Lula em junho daquele mesmo ano.
“Antes dela, não existia norma sobre a inelegibilidade na prática. Era uma pantomima. A lei era uma ficção: não estabelecia critérios que deixassem ninguém inelegível e os casos eram raríssimos. Hoje, sim, temos uma lei que estabelece hipóteses de inelegibilidade que podem ser e são aplicadas com muita frequência”, compara.
Mesmo assim, Reis enfatiza que, muitas vezes, a sociedade considera que alguns candidatos podem ficar inelegíveis, mas não se atém aos critérios legais. “Não é uma questão, puramente, de moralismo ou de um juiz decidir quem pode ou não ser candidato. Isso está previsto em lei: são regras objetivas, que só quem está submetido às diretrizes da Lei da Ficha Limpa pode ser impedido”, analisa. O idealizador da Lei da Ficha Limpa ressalta que ela é um instrumento rigoroso, mas muito prudente, que deixa claro que a inelegibilidade se restringe a quem representa ameaça ao poder público – de dilapidação das verbas, de roubo ou desvio de toda natureza e corrupção.
Ponto de Vista
Apresentado por João Barbiero, o programa Ponto de Vista vai ao ar semanalmente, aos sábados, das 7h às 8h, pela Rede T de Rádios do Paraná.
A Rádio T pode ser ouvida em todo o território nacional através do site ou nas regiões abaixo através das respectivas frequências FM: T Curitiba 104,9MHz; T Maringá 93,9MHz; T Ponta Grossa 99,9MHz; T Cascavel 93,1MHz; T Foz do Iguaçu 88,1MHz; T Guarapuava 100,9MHz; T Campo Mourão 98,5MHz; T Paranavaí 99,1MHz; T Telêmaco Borba 104,7MHz; T Irati 107,9MHz; T Jacarezinho 96,5MHz; T Imbituva 95,3MHz; T Ubiratã 88,9MHz; T Andirá 97,5MHz; T Santo Antônio do Sudoeste 91.5MHz; T Wenceslau Braz 95,7MHz; T Capanema 90,1MHz; T Faxinal 107,7MHz; T Cantagalo 88,9MHz; T Mamborê 107,5MHz; T Paranacity 88,3MHz; T Brasilândia do Sul 105,3MHz; T Ibaiti 91,1MHz; T Palotina 97,7MHz; T Dois Vizinhos 89,3MHz e também na T Londrina 97,7MHz.
Publicado originalmente em: https://dpontanews.com.br/parana/ponto-de-vista-justica-eleitoral-falhou-e-stf-pode-corrigir-diz-marlon-reis-idealizador-da-lei-da-ficha-limpa-sobre-caso-jocelito/